Será que estamos em consonância com o princípio da
aquiescência? Ou será que estamos numa constante luta para vencer um adversário
que mora dentro de nós mesmos: “A nossa resistência
em aceitar certas coisas que precisam ser vividas”. Estamos muito mais
sintonizados com o combate do que com a aceitação. Assim, vivemos em guerra a
maior parte do tempo. Em guerra, não conseguimos viver a paz. Sem paz, adoecemos e ao mundo ao nosso redor que
compartilha a mesma energia a qual estamos sintonizados. Por isso, é comum
presenciarmos guerra entre amigos, casais, parceiros, pais e filhos.
Somos educados para servir ao nosso ego, nem sempre
à nossa alma. Nem sempre ela deseja
aquilo que o nosso ego dita. O nosso ego deseja um poder muito diferente do
poder almejado por ela. O ego deseja ter poder sobre os outros; deseja ser
melhor do que os outros, deseja vencer os outros. A nossa alma não deseja
nenhum poder que não seja sobre nós mesmos; deseja vencer os nossos pontos
fracos; mais do que vencê-los, fortalece-los. A nossa alma deseja, sobretudo,
sentir que somos melhores do que fomos ontem, que estamos evoluindo e que a
nossa evolução contribui para a evolução de tudo que nos cerca.
Quantas vezes, como crianças birrentas e mimadas,
queremos coisas totalmente contraditórias. Queremos muitas coisas e nem sempre aceitamos
o que temos. Neste querer desenfreado, sentimo-nos desapropriados. Sintonizados
apenas com os nossos desejos, com aquilo que nos falta, nos esquecemos de aceitar
e agradecer o que temos em abundância. Queremos transformar o outro na
expressão de nossos desejos e, se o outro não se transforma naquilo que lhe impomos,
achamos que o problema está com ele, jamais na nossa imposição projetada sobre o mesmo. Agimos, mesmo sem a
nossa consciência, como senhores,
exigindo do outro, nosso escravo, servidão
aos nossos desejos mais mesquinhos– “Se fores como desejo, será uma boa pessoa e
estará, portanto, liberto de meus
julgamentos e da minha hostilidade”. Achamos todos os defeitos para quem
insiste ser diferente daquilo que faça bem ao nosso ego. Achamos justificativas
para todos os nossos erros, jamais para as arestas dos outros. É como se as
arestas dos outros ferissem mais do que as nossas. Tem gente que rouba, mas não
pode ser roubado. Tem gente que trai, mas não pode ser traído. Tem gente que
mente, mas não aceita mentiras. Que contradição! Nosso egocentrismo nos cega
para as nossas contradições e nos coloca em alerta para as contradições
alheias. A nossa capacidade de enxergar o outro tal como ele é, é proporcional
à nossa capacidade de enxergar a nós mesmos.
Não somos obrigados a aceitar certas coisas que o
outro tem para nos oferecer. Podemos dizer “NÃO”. Mas, para aquilo que dissermos
“SIM”, devemos aquiescer. Na aquiescência, aceitamos
o que o outro nos oferta, sem lutas e sem ofensas. Para isto, é bom que sejamos
maduros; que saibamos o que é saudável receber. Tem gente que aceita uma fruta
podre e quer preparar uma salada saborosa. Salada de fruta podre não terá um
sabor agradável. Posso até aceitar uma fruta podre e joga-la fora para que
sirva de estrume para o solo de minha alma, jamais como alimento para a mesma.
Passamos muito tempo de nossa vida querendo
transformar o outro e ao mundo a nossa volta ao invés de investir a nossa
energia em transformar a nós mesmos. Muitas transformações doem, pois ofertam
uma forma nova de pensar, agir e sentir. Colocar nossos pensamentos, sentimentos
e ações dentro de uma outra fôrma bem diferente daquela a qual estamos
acostumados, não é nada fácil; meche muito com nossas estruturas mais profundas
e ficamos com muito medo de desmoronar. Preferimos desmoronar a estrutura do
outro que nos incomoda, jamais as nossas. Mesmo que a estrutura do outro seja
precária, não cabe a nós muda-las, apenas a ele cabe esta difícil missão. Para
não perder o outro, muitos optam por se encaixar dentro de estruturas muito precárias.
Reclamam da precariedade estrutural deste, mas não se libertam desta estrutura.
Com certeza, algum ganho secundário existe por detrás de situações desta
natureza.
É preciso aquiescer até para dor. Aceitar a dor para transforma-la
é sempre o primeiro passo. Sem o primeiro passo não há como dar o segundo, o terceiro
e por aí vai... Para alguns prazeres, paga-se o ônus de alguns desprazeres
iniciais. Para ser feliz, é fundamental aceitar viver o sol e a chuva; o dia e
a noite, enfim, o yin e o yang. Aceitar, sobretudo, viver o conforto e o
desconforto de toda relação, seja consigo mesmo, com o mundo e com todas as
pessoas ao seu redor. Aceitar extrair de cada vivência, o melhor que ela tem
para lhe oferecer. Se puderes rejeitar algo, diga “NÃO”, mas, diga “NÃO” de
verdade. Se disseres “SIM”, diga “SIM”
de verdade. E o que vem a ser dizer “NÃO e “SIM” de verdade? É, simplesmente,
ser verdadeiro. No entanto, é muito difícil ser verdadeiro. Blefamos o tempo
para ganhar o jogo e vencer o adversário, mas como já disse anteriormente, a
nossa alma, diferente de nosso ego que adora jogar, não joga, só deseja vencer as picuinhas de si mesmo. Portanto,
cabe a você decidir quem será o seu
mestre e a quem dará o poder de decidir. O seu Ego terá um discurso brilhante,
repleto de joguetes e seduções, para lhe persuadir e vencer a eleição. Por
outro lado, a sua alma, serena e tranquila, estará sempre aí, aquiescente,
acolhendo e aceitando a sua decisão que não é nada mais nada menos do que um
retrato de sua maturidade neste seu momento existencial. Ela nunca vai cobrar de você ser um adulto se
ainda vive a sua mais tenra infância.
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