EMISSÃO DE ATESTADO DE ÓBITO PASSOU A SER UM ATO DE GENTILEZA
OBS: Peço a você, leitor, que
leia a primeira parte deste email. Ele retrata o desrespeito de profissionais
de saúde para com o Ser Humano e a falta de treinamento para lidar com a
fragilidade do mesmo. Peço também a você, intermediado pela sua consciência,
que me ajude a divulgar o mesmo para que possamos combater a arrogância e o
despreparo emocional e técnico dos profissionais de saúde que encontraremos
pelos corredores de hospitais que, por
desventura, possamos ter que enfrentar um dia.
Emitir atestado de óbito além de um
compromisso ético e moral é uma responsabilidade médica prevista em lei. Diante
da falta de compromisso e ética, o mínimo que se espera de um médico é o
cumprimento da lei. E, RESPEITO pelo ser humano é uma atitude prevista em lei,
principalmente nos estatutos de qualquer conselho profissional. No entanto,
depois de muito desrespeito por parte de uma assistente social do Hospital
Miguel Couto do Rio de Janeiro, eu ainda tive que ouvir a arrogância do médico atestando que não tinha a obrigação de fazer e me
entregar o atestado de óbito de meu tio
que morrera a 7 horas atrás em suas mãos. Alegou com todo arrogo e
autoritarismo, de quem se sente dono de uma situação, que era simplesmente um
ato de gentileza o que estava fazendo por mim e pelos familiares que estavam
ali esperando, à horas, a liberação do corpo de um ente querido. Ao
indaga-lo sobre a sua responsabilidade frente o caso e sobre o tempo que este
corpo estava aguardando para ser liberado para posteriormente ser velado em
Minas Gerais, numa cidade a quase 400 Km
do Rio de Janeiro, ele alegou com desdenho que eu deveria agradece-lo com toda a
gentileza que ele estava tendo por mim, pois se não desejasse ter boa vontade
para conosco, poderia mandar o corpo de meu tio para IML e teríamos que esperar mais tempo ainda,
provavelmente uns 3 dias. Com ar de cinismo, seu discurso recheado de uma moral
falsa e nojenta dizia nas entrelinhas: “Seja boazinha e saiba do seu lugar
mediante o seu insignificante poder como usuária do SUS. Eu, DR todo poderoso,
posso puni-la se desejar”.
Alegou, sem um verdadeiro
conhecimento dos fatos, que nós estávamos atrapalhando a estrutura do hospital
ao solicitar o que é nosso por direito -
referências sobre as questões
relativas à liberação do corpo de um ente querido. Se referiu a mim e aos
outros familiares como se fossemos uns
baderneiros. Há câmeras espalhadas pelo hospital e temos como provar que em nenhum momento atrapalhamos
ou desrespeitamos a estrutura organizacional do mesmo. Durante todo o nosso
tempo de espera lá, agimos de forma respeitosa e muito paciente não só com a
estrutura do hospital, mas também para com todos os profissionais, inclusive,
com a assistente social que foi sempre muito mal educada e despreparada para
lidar com a situação em questão.
Quero frisar que os outros
profissionais (Corpo de Bombeiros, recepcionistas
e seguranças) demonstraram preparo emocional e técnico e foram muito atenciosos
e educados ao nos fornecer as informações solicitadas quando nos dirigimos a
eles. No entanto, a assistente social que deveria estar preparada para assistir
uma família enlutada, de maneira a preservar ao máximo a estrutura emocional
dos envolvidos, só colaborou para desestruturar ainda mais o emocional destes.
Tratou, juntamente com o Dr Arrogância, o corpo de meu tio como se fosse uma
encomenda qualquer ou um embrulho sem prazo de validade que pudesse ser
retirado do local no tempo deles: - “ Se estava cansada de esperar que fosse
para casa e voltasse depois para buscar”. Embora eu possa entender que um corpo sem vida possa ser para
eles apenas um número a mais nos registros de óbito do hospital, para nós,
familiares, tem uma significação emocional grandiosa. O vínculo emocional
não se desfaz frente a perda, pelo contrário, neste primeiro momento este
vínculo se intensifica ainda mais. Saber disto, deveria fazer parte da formação
destes profissionais.
Nós não estávamos cansados de
esperar, embora estivéssemos sem almoço, lanche e jantar. Nem havia dentro de
nós espaços para o cansaço; havia apenas espaços para a dor e para a ânsia de
querer saber quanto tempo nos restaria para velar o corpo de uma pessoa
querida, já que este deveria ser encaminhado para Minas onde o restante da
família aguardava a sua chegada. Solicitávamos apenas referências respeitosas,
jamais desdenho. Além da dor, tive que criar, dentro do meu ser ferido, espaço
para a indignação e humilhação.
Tentando respeitosamente sensibiliza-los
para a gravidade da postura deles frente aquela situação, eles não se dispuseram
a ouvir o que eu tentei dizer sobre o respeito que se deve ter não só por uma
família enlutada, mas sobretudo, por qualquer usuário do SUS. Tive que engolir
aquele desrespeito, mas nenhum desrespeito é digerido dentro de um ser
consciente. Por não digeri-lo, estou vomitando esta história. Este vômito
incomoda, pois traz à tona todos as indigestas posturas de profissionais
despreparados que somos obrigados a engolir no nosso dia a dia. Não podemos
continuar convivendo com este mal estar.
Leitor, te faço agora um apelo. Eu
gostaria muito que você, que se compromete a ler este email, não engolisse
também situações como estas e outras ainda muito piores que acontecem todos os dias
em nossos hospitais públicos e privados, principalmente nos hospitais públicos
onde grande parte dos assistidos ou não reconhecem ainda os seus direitos como
cidadãos e usuários do SUS ou
simplesmente se acomodam e se tornam coniventes com este tipo de tratamento
desumanizador.
Sou uma pessoa paciente e esperaria
mais horas ou dias se fosse necessário. Conheço bem como funciona a estrutura
do SUS, de hospitais e
pronto-atendimentos. Conheço bem a legislação sobre emissão de atestado de óbito
e acredito que este doutor deva conhecer bem melhor ainda do que eu. Ciente
disto, sei que agiu sem ética, compromisso e respeito. O seu compromisso para
com os outros pacientes que chegaram na emergência não anula o respeito e
compromisso que deva ter por aqueles que perderam um ente querido. Sei que nada
mais poderia ser feito pelo meu tio, mas
ainda muito havia a ser feito pelos
familiares do mesmo; e deste muito, solicitávamos apenas atenção e respeito frente
ao conhecimento que temos das limitações de nosso sistema de saúde.
Seja por bondade, abuso de poder ou
por cinismo, não cabe a nenhum profissional médico emitir atestado de óbito por
gentileza. Além de não existir nenhum artigo ou resolução que favoreça esta
conduta, o atestado de óbito é um compromisso ético que fornece ao sistema de
informação de nosso país dados sobre o perfil epidemiológico e sobre a
mortalidade de nossa população. É à partir deste perfil que políticas de saúde
são empreendidas. Construir uma política de saúde é coisa séria e requer, portanto,
seriedade dos profissionais de saúde.
Gentileza é uma ação espontânea e não
uma moeda de troca de favores. Gentileza é um ato gratuito e, no mínimo, um pré-requisito
dos profissionais que lidam com a fragilidade humana, principalmente em
momentos de grande tensão capaz de abortar qualquer estabilidade emocional. Não
se cobra gentileza de quem está sob tensão. Doa-se gentileza para aliviar esta
tensão. Aprendi isto não só dentro das instituições acadêmicas onde busquei as
minhas formações (Psicologia, Medicina Tradicional Chinesa - Acupuntura,
Terapias indianas – Yoga e várias outras terapias Holísticas ) mas, sobretudo
em berço familiar e na minha relação cotidiana com o ser humano.
Além de escritora e profissional de
saúde, já fui secretária de saúde de uma cidade em Minas Gerais. Não só como
gestora da saúde, mas sobretudo como cidadã, sempre lutei pela qualidade no
atendimento à saúde e pela construção de uma sistema mais justo e eficiente. Organizei
e participei de conselhos, congressos regionais, estaduais e nacionais de saúde
tentando criar juntamente com todos os membros envolvidos uma política de saúde
que se preze capaz de respeitar o cidadão e ser respeitada pelo mesmo. Combater a politicagem, em todos os âmbitos
dentro deste sistema, sempre foi a pior doença a ser combatida; politicagem que
se expressa não só através de falcatruas
políticas, mas também através de perniciosas
atitudes de nossos políticos, dos
profissionais de saúde e até mesmo dos próprios usuários. Não cabe a nós,
cidadãos brasileiros, aprender a conviver com esta doença, cabe a nós
combate-la. Soltar a nossa voz diante destes abusos e exigir os nossos direitos
é uma forma de fazer isto.
Estou longe de querer ser uma usuária
do SUS histérica querendo atenção ou desestabilizar o sistema, apesar de
admitir que mesmo os histéricos mais chatos merecem todo o nosso respeito e
atenção. Tenho um bom plano de saúde e utilizo muito pouco este sistema. Mais
do que utiliza-lo, luto por ele e por cada brasileiro que se beneficia do
mesmo. Poderia ter cruzado meus braços e ser conivente com esta falta de
respeito. Dá menos trabalho ser conivente do que dedicar algumas horas para
escrever este artigo e tomar as providências necessárias para que estes
profissionais sejam advertidos. Não desejo punição, apenas “Educação”. Que estes
profissionais possam ser trabalhados, educados e, no mínimo, treinados para
lidar com o usuário do SUS ou, mais precisamente, com o ser humano. Percebi
total falta de formação deles neste sentido. Acredito no ser humano; mesmo
naqueles que cometem os piores erros. Tem muita pedra valiosa passível de ser
lapidada. Já tive programa em rádio, já
escrevi inúmeros artigos para jornais sempre no intuito de educar para a saúde,
principalmente no que tange ao funcionamento do SUS. Espero que as autoridades
responsáveis tomem alguma medida neste sentido – que conscientizem estes e
outros profissionais sobre seu verdadeiro papel frente situações como estas;
que lapidem a postura deles como profissionais de saúde.
Para você que também se deu ao
trabalho e dedicou seu tempo para ler este email, depois lhe envio outro para
contar o segundo capítulo desta história, ou seja, no que deu tudo isto. O
brasileiro costuma dizer que não dá em nada. Mas eu, também brasileira, filha
desta terra fértil, acredito que toda semente que se lança na terra, se
devidamente cuidada, germina.
SEGUNDA PARTE : (leia se desejar entender melhor
como tudo aconteceu)
Relato pormenorizado de cada situação
vivida no pronto-socorro do Hospital
Miguel Couto do Rio de Janeiro no dia
23-03-2013 à partir das 14 horas.
O meu tio passou mal por volta das 14
horas na sua residência. Repentinamente, desmaiou caindo ao chão e apresentando
dificuldade para respirar. Apesar de uma pulsação muito fraca, ele estava vivo,
porém inconsciente. Sua esposa apavorada, além de pedir ajuda a
uma vizinha, ligou para o Corpo de
Bombeiros que chegou em poucos minutos demonstrando muita eficiência e preparo
em suas ações de socorro. Foi levado
para o Hospital Miguel Couto e segundo informações fornecidas pelos próprios
bombeiros, o seu coração batia, mas não conseguia respirar por conta própria. Antes
de partir para o hospital, a esposa de meu tio me ligou para informar o
acontecido e pedir ajuda, já que sou a única sobrinha que mora no Rio de
Janeiro. Todos os parentes mais próximos residem em Minas Gerais. Fui para o
hospital, chegando lá por volta das 15:30 hs. Durante todo este tempo, ele
estava sendo atendido e a única informação que tínhamos é que embora não conseguisse
respirar por conta própria, o seu coração estava batendo. Por volta das 16
horas uma assistente social pediu que eu e a esposa de meu tio fossemos
conversar com o médico responsável pelo atendimento prestado a ele até aquele
momento. Esta assistente social foi educada e cumpriu bem o seu papel.
O médico responsável nos comunicou o
falecimento do mesmo educadamente e desta forma: “- Eu estava atendendo o Sr X (meu
tio) até este momento. O quadro dele era muito grave. Ele teve um infarto.
Foram feitos todos os procedimentos para reverter o quadro. Embora o coração
estivesse batendo, ele não reagia e infelizmente ele não resistiu.”
Nos emocionamos e ele continuou: - “Agora
vocês precisam resolver as questões relativas ao sepultamento do mesmo. Voces
possuem aí algum documento dele para que eu possa fazer o atestado de óbito”?
Como não tínhamos a documentação
necessária ele continuou : - “Traga os documentos dele para que eu possa fazer
o atestado de óbito . Só à partir deste atestado é que vocês poderão fazer
alguma coisa. Fiquem tranquilas, eu estarei de plantão até amanhã. Assim que vocês
trouxerem os documentos dele eu farei o atestado de óbito e vocês poderão dar
sequencia às questões relativas ao sepultamento. Meu nome é “Y” e vocês devem
entregar estes documentos para ela” (referindo-se à assistente social ali presente).
Saímos de lá e fomos imediatamente para
a casa de meu tio para buscar a documentação necessária. Neste ínterim a família
foi avisada e foi decidido onde seria realizado o sepultamento do mesmo.
Voltamos rapidamente para o hospital, pois tínhamos pressa, já que meu tio seria
sepultado em Minas Gerais, cidade de seus familiares e onde seus pais foram
sepultados. Por volta de 16:45 estávamos de volta ao hospital com todos os
documentos necessários. Não havia ninguém, neste momento, que pudesse receber
os mesmos e foi solicitado que esperássemos a assistente social retornar para
repassarmos para a mesma a documentação. Sentamos na recepção e esperamos de 20
a 30 minutos, sem problemas. A assistente social apareceu, passamos os documentos
para ela e ela nos informou que teríamos que esperar um tempo maior, pois o
médico responsável estava envolvido com outra emergência e não poderia
prontamente emitir o atestado de óbito. Perguntei se podíamos agilizar alguma
coisa referente ao funeral e como isto era feito; se havia serviços funerários
no hospital, etc, etc. Explicou que só depois de termos a posse deste atestado
é que poderíamos resolver estes problemas. Que seríamos depois direcionados
para outro setor do hospital para resolver estas questões. Sem problemas, sentamos na sala de espera do
hospital aguardando o momento em que seríamos atendidos. Esperamos até, mais ou
menos 18 horas (uma hora e quinze de espera). Um pouco ansiosa, a esposa de meu
tio dirigiu-se à porta onde a assistente social tinha entrado, à procura da
mesma para saber notícias. O segurança, dirigiu-se educadamente até nós,
perguntando o que a gente desejava. Expliquei educadamente e tranquilamente a
situação, enfatizando que precisávamos saber se a assistente social tinha
entregue os documentos para o médico, pois precisávamos resolver o problema o
mais rápido possível, já que o corpo seria encaminhado para uma cidade a 400km
do Rio de janeiro e nem sabíamos o que fazer e como fazer, já que nunca, nenhum
de nós, lidou com situações similares a esta. Com respeito e atenção o
segurança disse que o turno seria mudado e que uma nova assistente social
retomaria o lugar da anterior. Que deveríamos aguardar a chegada da próxima assistente
social. Aguardamos sem problemas e sem nenhum alarde. Por volta das 18:30 horas
a assistente social saiu. Nos dirigimos a ela e ela nos informou que o médico
ainda se encontrava na emergência e que ela nada poderia fazer. Informou que
daquela hora em diante deveríamos tratar coma outra assistente social que
estava assumindo o seu lugar. Apontou a assistente social nova solicitando-nos dirigir a ela para resolver, à partir daquele
momento, a situação com ela. Juntamente com a esposa de meu tio, me dirigi a
esta nova assistente social para perguntar se ela estava à par da nossa
situação e se teria recebido da assistente social anterior os documentos de meu
tio para o médico atestar o óbito. Assim que falei “Boa Noite”, esta nova assistente
social saiu andando, nos dando as costas e dizendo em tom áspero e alto (quase
gritando): - “ Eu não posso falar nada com vocês agora”! Não quis nem mesmo
ouvir o que tínhamos para perguntar. Fui andando atrás dela e insisti para que
me ouvisse. Parou, finalmente, nos olhando irritada. Expliquei a situação
educadamente e ela apenas disse rispidamente: - Não posso fazer nada, o médico
está em emergência.” Deixei claro que esperaríamos e que, inclusive, já
estávamos esperando a 2 horas. Só queríamos saber se ela tinha ou não recebido
os documentos da assistente social anterior e se estava à par dos fatos. Depois
disto, ela deu uma sumida e ficamos sem ter com quem obter qualquer informação.
Por volta das 19:30 ela apareceu novamente e naturalmente nos dirigimos a ela
na esperança dela ter resolvido a nossa situação. Antes de perguntar qualquer
coisa, ela já falou em tom ríspido: - “Eu já falei que ele está em emergência!”.
Não nos dava atenção alguma e em nenhum momento nos perguntou se precisávamos
de alguma ajuda. Só se irritava com qualquer tipo de aproximação que pudéssemos
ter em relação à mesma. A postura desta profissional não denotava nenhuma assistência
e solidariedade; seu toque de ordem era: - Mantenha distância!
Por volta das 20:30, a esposa de meu
tio se dirigiu para a recepção do hospital, pois não sentia receptividade por
parte da assistente social. E, diante da ausência dela, perguntou carinhosamente
para uma das recepcionistas se ela poderia
checar se o médico, porventura, já pudesse estar disponível e liberado da emergência que,
desde as 17 horas, a assistente social anterior nos informara
estar ele envolvido. Já havia 4 horas e meia que o meu tio tinha morrido e 3
horas e meia, mais ou menos, que estávamos ali esperando. A recepcionista mostrou-se
solícita e solidária à nossa dor. Procurou se informar e retornou com a notícia
de que o médico ainda estava ocupado, agora com outra emergência, e que nada
poderia ser feito. Uns 15 minutos depois
disto, a assistente social retornou. Naturalmente, nos dirigimos a ela para
saber se trazia alguma notícia e posição. Neste momento ela se irritou ainda
mais e disse impacientemente: - “Voces estão incomodando! Aqui é uma emergência
, será que voces não conseguem entender isto? Voces precisam entender que
existem coisas mais importantes que o caso de vocês.” Neste momento, pela
primeira vez eu me posicionei de forma mais firme, porém educada, dizendo: - “Eu sei que isto aqui é uma
emergência, mas você também precisa saber que existe a dor das pessoas que
perdem uma pessoa querida e que precisamos saber o que fazer neste momento. Já
tem quase 5 horas que estamos esperando”...Ela disse que entendia sim a dor da
família, embora a sua expressão denotasse ainda mais impaciência e irritação
para conosco. Desejo aqui ressaltar, a importância do profissional de saúde ter
a consciência que o corpo e a postura fala muito mais do que as palavras. Voltei
para o lugar onde estava sentada e solicitei à esposa de meu tio que fosse
embora, pois não tinha nem mesmo almoçado naquele dia. Continuei esperando, sem saber que providencias
tomar. A família ligava de Minas para saber que horas o corpo chegaria lá no
dia seguinte e a que horas seria velado. Eu não tinha referência alguma para
dar aos familiares, pois não sabíamos o que fazer. Isto, naturalmente gera
ansiedade em todos. Acredito que uma assistente social possa ser muito útil nestes
momentos para orientar a família sobre o que fazer e abaixar o nível de
ansiedade de todos os envolvidos. Esta, porém, só nos dava bronca e nenhuma
orientação. Continuei esperando e pedi que alguns familiares que estavam ali
comigo se dirigissem ao outro setor do hospital para se informar se existiria
por ali alguma funerária para nos passar o mínimo de informação possível. Estes
familiares encontraram dentro de outro setor do hospital um serviço de
funerária. Fomos bem recebidos pelo mesmo que, finalmente, nos informou como as
coisas poderiam acontecer. O senhor responsável pelos serviços funerários nos
ajudou muito neste sentido, abaixando significativamente o nosso grau de ansiedade.
Agora, tínhamos referências do que poderia e deveria ser feito. Era só isto que
precisávamos. O problema maior nunca foi a espera propriamente dita, mas a
falta de referências do que fazer ou deixar de fazer. Agora estávamos mais
tranquilos e dispostos a esperar até madrugada adentro se preciso fosse. Conseguimos
esta informação básica por volta das 21:30 horas da noite; depois de quase 5
horas esperando. Ao invés de irritação, a assistente social poderia ter nos ofertado
informações e nos auxiliado neste sentido direcionando-nos a este serviço. A
única coisa que sabia dizer era: - “Eu não posso fazer nada” ou “Vocês estão
atrapalhando...”
Por volta das 22:50 horas o médico e
a assistente social finalmente apareceram. Juntamente
com meu marido, me dirigi a eles para saber, mais uma vez, se o atestado de
óbito havia ou não ficado pronto. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa,
aquele médico até então educado se transformou num ser irreconhecivelmente
arrogante e cínico, dizendo com empáfia: “- Antes de lhe entregar este
atestado, eu gostaria que vocês soubessem que o que estou fazendo aqui agora é
um ato de gentileza e todo ato de gentileza a gente deve retribuir com
gentileza. Voces criaram uma grande confusão aqui. Voces devem saber que
existem normas aqui a serem seguidas. Se não quisesse esperar que fosse para
casa e voltasse depois para buscar. Mais uma vez. Estou lhes fazendo uma
gentileza e vocês deveriam ter agido também com gentileza”. Eu não sou obrigado
a dar para vocês este atestado não”.
Quando falei que estávamos a mais de
6 horas esperando e se ele não era o responsável por aquele atestado de óbito, de
quem seria então esta responsabilidade? Para se defender de sua própria empáfia, contradizendo tudo que me disse pessoalmente ao
me informar da morte de meu tio, ele continuou: - Ele não morreu na minha mão;
eu poderia ter mandado o corpo dele para o IML e você teria que esperar 3 dias
ou mais para eles fazerem os exames necessários para saber do que ele morreu
realmente.
Indaguei o médico novamente,
repetindo tudo que ele havia dito assim que nos chamou para informar o
falecimento do meu tio; que ele próprio havia falado que o meu tio havia tido um
infarto e morrido em decorrência disto. Aproveitei para falar que , assim como
eles, eu era profissional de saúde e que eles deveriam ter, pelo menos, o conhecimento
acerca do respeito mínimo que se deve ter pela dor dos familiares. Não me deram
atenção e sem querer me dar ouvidos, eu
resolvi me calar para não piorar ainda mais as coisas. O Dr arrogância saiu
repetindo enfaticamente que deveríamos retribuir com gentileza a gentileza que
ele estava tendo por nós. Ao invés de cumprir o seu papel, ele dizia através de
sua postura e de seu discurso: - “Seja boazinha, pois voce depende da minha boa
vontade”.
Depois disto, meu marido foi fazer o
reconhecimento do corpo para que pudéssemos dar sequencia nas questões
relativas ao sepultamento.
Fica aí mais uma história de empáfia
médica e de despreparo emocional de nossos profissionais de saúde. Que possamos
sepultar este tipo de postura que adoece o nosso sistema de saúde e denigre a
imagem destas classes profissionais. Que o Hospital Miguel Couto possa nos dar
uma resposta para seguinte pergunta: Baseado em que, o seus profissionais médicos
se delegam o poder de emitir atestado médico por gentileza ou não emiti-los
quando é esta uma responsabilidade dos mesmos?