Vivemos numa sociedade que cultua a juventude, ignorando e
subestimando a riqueza das pessoas mais velhas. Envelhecer se tornou um pecado,
um defeito e uma doença nos dias de hoje. Ter um corpo conservado, sem os
sinais do tempo se tornou uma obrigação e a mais valiosa virtude. Dita-se o
corpo e a aparência perfeita que todos
nós devemos perseguir para sermos valorizados e aprovados por este sistema
doentio de valorização pessoal. A nossa verdade passou a ser a verdade
disseminada pela mídia e pelos interesses de mercado. O rótulo que carregamos
passou a ser mais importante do que o conteúdo. Para isto, nos vestimos com as
marcas e consumimos os produtos que
possam nos tornar um valioso bem de mercado. Infectados por esta doença social,
perdemos a nossa verdadeira identidade ou passamos, no mínimo, a temê-la.
Dizer a idade passou a ser um risco.
Melhor escondê-la, pois a melhor idade é sempre aquela que ficou para trás.
Melhor esconder também as nossas rugas, as nossas celulites, estrias, gordurinhas, enfim, tudo aquilo que não nos
permite ser como as imagens idealizadas e perfeitas, na maioria das vezes,
corrigidas por poderosos programas de fotoshops. Os recursos para nos ajudar a
não ver o que nos incomoda aumentaram.
Não precisamos mais das antigas revelações, as fotos digitais nos
permitem apagar e corrigir todas as características que aos nossos olhos possam
nos lembrar que somos bem parecidos com aquilo que somos de fato. Preferimos
sermos parecidos com os modelos que pousam nas mais altas passarelas da moda.
Viver passou a ser uma questão de moda e é cafona nos vestir com a nossa real
identidade. Melhor, nos travestir. Para
ficarmos menos parecidos com aquilo que a gente é, consumimos todos os produtos
que o mercado oferece, aspiramos e amputamos partes nossas que não nos interessam
mais ou esculpimos o corpo que os olhos deste mundo doente vai valorizar. E os
nossos olhos? A cada ano que passa, temem enxergar a passagem dos anos. E, há
tanta coisa boa na passagem dos anos! Há perdas significativas, mas há
conquistas tão relevantes! E, é destas
conquistas que eu gostaria de falar, para que não precisemos mais temer os
nossos cabelos brancos e aquelas rugas que podem até não serem charmosas, mas
são marcas que dizem muito sobre a nossa história que precisa ser valorizada,
independentes de sermos jovens ou velhos.
Há jovens velhos e velhos jovens.
Independente de qualquer coisa, o que determina a nossa idade é o tempo, mas o
que determina a nossa disposição, alegria, juventude, sabedoria e beleza é a
nossa história. Toda história, se não é valorizada, precisa ser, no mínimo,
respeitada. Se eu tenho 15, 30, 50 ou 90 anos de história, o que importa é o
que eu fiz, faço e posso fazer com ela e
por ela. Adoro histórias. Como terapeuta, passo grande parte de minha vida
ouvindo a história dos outros; como mulher, vivendo a minha história; e como
escritora, criando historinhas para dar mais compreensão e encanto à vida. Adoro dizer a minha idade, pois ele reflete a
minha história. Acho que aprendi isto com
a minha mãe e com o sorriso de satisfação que brotava não só de seus lábios,
mas também de seus olhos todas as vezes que as pessoas exclamavam indignadas:
Mas, você está muito conservada! Minha mãe soube conservar sem se tornar
produto conservante. Ela soube conservar a sua própria história, ou seja,
valorizar cada fase sem subestimar ou negligenciar uma em detrimento da outra.
Com quase 80 anos, ora parece uma criança, ora uma adolescente, ora uma anciã.
Ela sabe ser divina e o divino carrega todas as fases em si mesmo. O divino carrega o feio e o bonito, o novo e
o velho, o bom e o ruim, a alegria e a tristeza; só não carrega a rigidez de
ser uma coisa só. O divino não precisa da aprovação de ninguém para ser; ele é.
E, é isto que precisamos. Precisamos ser divinos e precisamos ser o que somos –
humanos. Divinamente humanos, valorizarmos a nossa singularidade rejeitando
qualquer clichê ou padrão de beleza que nos seja imposto. Precisamos
desenvolver a capacidade de enxergar a beleza na sua essência e não a beleza
fabricada por este Deus mercador e capitalista. Mais do que mostrar a nossa
identidade revelando a nossa idade, precisamos ter a coragem de admitir que
temos uma história que se reflete em nosso corpo, na nossa aparência, na nossa
saúde, na nossa energia, enfim, na expressão que os nossos olhos e o nosso
sorriso revela. Se esta história nos deixou aparentemente mais enrugado, sem
energia e saúde, o que importa é que estamos vivos. Esta história que se
reflete em nosso corpo retrata o grau de nossa labuta, da atenção, amor e
cuidado que tivemos para com a nossa vida e para com o mundo. Enquanto estivermos
vivos poderemos transformar aquilo que nos adoece e nos tornarmos ainda mais
vivos, mais belos e cheios de energia. Cada dia e ano que passa é uma
oportunidade a mais para a transformação; é uma grande dádiva que
lamentavelmente nem todos valorizam. Há quem queira parar no tempo por
acreditar apenas nos encantos de uma juventude débil que desconhece o poder da
eternidade e por ser demasiadamente carente e inseguro desejando uma falsa
aprovação e valorização que jamais será conquistada sem a base do amor
verdadeiro e incondicional por si mesmo.
Lembre-se: A idade só pára para quem morreu. Assim, a melhor
idade é sempre aquela que estamos, pois é somente nela que podemos viver. Nela
cabe tudo que já foi vivido e tudo que ainda se pode viver. Ela é o nosso “presente”;
presente em todos os sentidos. Bendita seja ela!
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