terça-feira, 2 de abril de 2013

A EMPÁFIA E DESPREPARO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE


EMISSÃO DE ATESTADO DE ÓBITO PASSOU A SER UM ATO DE GENTILEZA

OBS: Peço a você, leitor, que leia a primeira parte deste email. Ele retrata o desrespeito de profissionais de saúde para com o Ser Humano e a falta de treinamento para lidar com a fragilidade do mesmo. Peço também a você, intermediado pela sua consciência, que me ajude a divulgar o mesmo para que possamos combater a arrogância e o despreparo emocional e técnico dos profissionais de saúde que encontraremos pelos corredores de hospitais que,  por desventura, possamos ter que enfrentar um dia.
Emitir atestado de óbito além de um compromisso ético e moral é uma responsabilidade médica prevista em lei. Diante da falta de compromisso e ética, o mínimo que se espera de um médico é o cumprimento da lei. E, RESPEITO pelo ser humano é uma atitude prevista em lei, principalmente nos estatutos de qualquer conselho profissional. No entanto, depois de muito desrespeito por parte de uma assistente social do Hospital Miguel Couto do Rio de Janeiro, eu ainda tive que ouvir a arrogância do médico atestando  que não tinha a obrigação de fazer e me entregar  o atestado de óbito de meu tio que morrera a 7 horas atrás em suas mãos. Alegou com todo arrogo e autoritarismo, de quem se sente dono de uma situação, que era simplesmente um ato de gentileza o que estava fazendo por mim e pelos familiares que estavam ali  esperando, à horas,  a liberação do corpo de um ente querido. Ao indaga-lo sobre a sua responsabilidade frente o caso e sobre o tempo que este corpo estava aguardando para ser liberado para posteriormente ser velado em Minas Gerais, numa cidade a  quase 400 Km do Rio de Janeiro, ele alegou com desdenho  que eu deveria agradece-lo com toda a gentileza que ele estava tendo por mim, pois se não desejasse ter boa vontade para conosco, poderia mandar o corpo de meu tio para IML e  teríamos que esperar mais tempo ainda, provavelmente uns 3 dias. Com ar de cinismo, seu discurso recheado de uma moral falsa e nojenta dizia nas entrelinhas: “Seja boazinha e saiba do seu lugar mediante o seu insignificante poder como usuária do SUS. Eu, DR todo poderoso, posso puni-la se desejar”.
Alegou, sem um verdadeiro conhecimento dos fatos, que nós estávamos atrapalhando a estrutura do hospital ao solicitar o que é nosso por direito -   referências  sobre as questões relativas à liberação do corpo de um ente querido. Se referiu a mim e aos outros familiares como se  fossemos  uns  baderneiros. Há câmeras espalhadas pelo hospital e  temos como provar que em nenhum momento atrapalhamos ou desrespeitamos a estrutura organizacional do mesmo. Durante todo o nosso tempo de espera lá, agimos de forma respeitosa e muito paciente não só com a estrutura do hospital, mas também para com todos os profissionais, inclusive, com a assistente social que foi sempre muito mal educada e despreparada para lidar com a situação em questão.
Quero frisar que os outros profissionais (Corpo de Bombeiros,  recepcionistas e seguranças) demonstraram preparo emocional e técnico e foram muito atenciosos e educados ao nos fornecer as informações solicitadas quando nos dirigimos a eles. No entanto, a assistente social que deveria estar preparada para assistir uma família enlutada, de maneira a preservar ao máximo a estrutura emocional dos envolvidos, só colaborou para desestruturar ainda mais o emocional destes. Tratou, juntamente com o Dr Arrogância, o corpo de meu tio como se fosse uma encomenda qualquer ou um embrulho sem prazo de validade que pudesse ser retirado do local no tempo deles: - “ Se estava cansada de esperar que fosse para casa e voltasse depois para buscar”.  Embora eu possa entender que um corpo sem vida possa ser para eles apenas um número a mais nos registros de óbito do hospital, para nós, familiares, tem uma significação emocional grandiosa. O vínculo emocional não se desfaz frente a perda, pelo contrário, neste primeiro momento este vínculo se intensifica ainda mais. Saber disto, deveria fazer parte da formação destes profissionais
Nós não estávamos cansados de esperar, embora estivéssemos sem almoço, lanche e jantar. Nem havia dentro de nós espaços para o cansaço; havia apenas espaços para a dor e para a ânsia de querer saber quanto tempo nos restaria para velar o corpo de uma pessoa querida, já que este deveria ser encaminhado para Minas onde o restante da família aguardava a sua chegada. Solicitávamos apenas referências respeitosas, jamais desdenho. Além da dor, tive que criar, dentro do meu ser ferido, espaço para a indignação e humilhação.
Tentando respeitosamente sensibiliza-los para a gravidade da postura deles frente aquela situação, eles não se dispuseram a ouvir o que eu tentei dizer sobre o respeito que se deve ter não só por uma família enlutada, mas sobretudo, por qualquer usuário do SUS. Tive que engolir aquele desrespeito, mas nenhum desrespeito é digerido dentro de um ser consciente. Por não digeri-lo, estou vomitando esta história. Este vômito incomoda, pois traz à tona todos as indigestas posturas de profissionais despreparados que somos obrigados a engolir no nosso dia a dia. Não podemos continuar convivendo com este mal estar.  
Leitor, te faço agora um apelo. Eu gostaria muito que você, que se compromete a ler este email, não engolisse também situações como estas e outras ainda muito piores que acontecem todos os dias em nossos hospitais públicos e privados, principalmente nos hospitais públicos onde grande parte dos assistidos ou não reconhecem ainda os seus direitos como cidadãos e  usuários do SUS ou simplesmente se acomodam e se tornam coniventes com este tipo de tratamento desumanizador.
Sou uma pessoa paciente e esperaria mais horas ou dias se fosse necessário. Conheço bem como funciona a estrutura do SUS,  de hospitais e pronto-atendimentos. Conheço bem a legislação sobre emissão de atestado de óbito e acredito que este doutor deva conhecer bem melhor ainda do que eu. Ciente disto, sei que agiu sem ética, compromisso e respeito. O seu compromisso para com os outros pacientes que chegaram na emergência não anula o respeito e compromisso que deva ter por aqueles que perderam um ente querido. Sei que nada mais  poderia ser feito pelo meu tio, mas ainda muito havia  a ser feito pelos familiares do mesmo; e deste muito, solicitávamos apenas atenção e respeito frente ao conhecimento que temos das limitações de nosso sistema de saúde.
Seja por bondade, abuso de poder ou por cinismo, não cabe a nenhum profissional médico emitir atestado de óbito por gentileza. Além de não existir nenhum artigo ou resolução que favoreça esta conduta, o atestado de óbito é um compromisso ético que fornece ao sistema de informação de nosso país dados sobre o perfil epidemiológico e sobre a mortalidade de nossa população. É à partir deste perfil que políticas de saúde são empreendidas. Construir uma política de saúde é coisa séria e requer, portanto, seriedade dos profissionais de saúde.
Gentileza é uma ação espontânea e não uma moeda de troca de favores. Gentileza é um ato gratuito e, no mínimo, um pré-requisito dos profissionais que lidam com a fragilidade humana, principalmente em momentos de grande tensão capaz de abortar qualquer estabilidade emocional. Não se cobra gentileza de quem está sob tensão. Doa-se gentileza para aliviar esta tensão. Aprendi isto não só dentro das instituições acadêmicas onde busquei as minhas formações (Psicologia, Medicina Tradicional Chinesa - Acupuntura, Terapias indianas – Yoga e várias outras terapias Holísticas ) mas, sobretudo em berço familiar e na minha relação cotidiana com o ser humano.
Além de escritora e profissional de saúde, já fui secretária de saúde de uma cidade em Minas Gerais. Não só como gestora da saúde, mas sobretudo como cidadã, sempre lutei pela qualidade no atendimento à saúde e pela construção de uma sistema mais justo e eficiente. Organizei e participei de conselhos, congressos regionais, estaduais e nacionais de saúde tentando criar juntamente com todos os membros envolvidos uma política de saúde que se preze capaz de respeitar o cidadão e ser respeitada pelo mesmo.  Combater a politicagem, em todos os âmbitos dentro deste sistema, sempre foi a pior doença a ser combatida; politicagem que se expressa não só através de  falcatruas políticas, mas também através de perniciosas  atitudes  de nossos políticos, dos profissionais de saúde e até mesmo dos próprios usuários. Não cabe a nós, cidadãos brasileiros, aprender a conviver com esta doença, cabe a nós combate-la. Soltar a nossa voz diante destes abusos e exigir os nossos direitos é uma forma de fazer isto.
Estou longe de querer ser uma usuária do SUS histérica querendo atenção ou desestabilizar o sistema, apesar de admitir que mesmo os histéricos mais chatos merecem todo o nosso respeito e atenção. Tenho um bom plano de saúde e utilizo muito pouco este sistema. Mais do que utiliza-lo, luto por ele e por cada brasileiro que se beneficia do mesmo. Poderia ter cruzado meus braços e ser conivente com esta falta de respeito. Dá menos trabalho ser conivente do que dedicar algumas horas para escrever este artigo e tomar as providências necessárias para que estes profissionais sejam advertidos. Não desejo punição, apenas “Educação”. Que estes profissionais possam ser trabalhados, educados e, no mínimo, treinados para lidar com o usuário do SUS ou, mais precisamente, com o ser humano. Percebi total falta de formação deles neste sentido. Acredito no ser humano; mesmo naqueles que cometem os piores erros. Tem muita pedra valiosa passível de ser lapidada.  Já tive programa em rádio, já escrevi inúmeros artigos para jornais sempre no intuito de educar para a saúde, principalmente no que tange ao funcionamento do SUS. Espero que as autoridades responsáveis tomem alguma medida neste sentido – que conscientizem estes e outros profissionais sobre seu verdadeiro papel frente situações como estas; que lapidem a postura deles como profissionais de saúde.
Para você que também se deu ao trabalho e dedicou seu tempo para ler este email, depois lhe envio outro para contar o segundo capítulo desta história, ou seja, no que deu tudo isto. O brasileiro costuma dizer que não dá em nada. Mas eu, também brasileira, filha desta terra fértil, acredito que toda semente que se lança na terra, se devidamente cuidada, germina.

SEGUNDA PARTE : (leia se desejar entender melhor como tudo aconteceu)
Relato pormenorizado de cada situação vivida no pronto-socorro  do Hospital Miguel Couto do Rio  de Janeiro no dia 23-03-2013 à partir das 14 horas.

O meu tio passou mal por volta das 14 horas na sua residência. Repentinamente, desmaiou caindo ao chão e apresentando dificuldade para respirar. Apesar de uma pulsação muito fraca, ele estava vivo, porém inconsciente.   Sua esposa apavorada, além de pedir ajuda a uma vizinha,  ligou para o Corpo de Bombeiros que chegou em poucos minutos demonstrando muita eficiência e preparo em suas ações de socorro. Foi  levado para o Hospital Miguel Couto e segundo informações fornecidas pelos próprios bombeiros, o seu coração batia, mas não conseguia respirar por conta própria. Antes de partir para o hospital, a esposa de meu tio me ligou para informar o acontecido e pedir ajuda, já que sou a única sobrinha que mora no Rio de Janeiro. Todos os parentes mais próximos residem em Minas Gerais. Fui para o hospital, chegando lá por volta das 15:30 hs. Durante todo este tempo, ele estava sendo atendido e a única informação que tínhamos é que embora não conseguisse respirar por conta própria, o seu coração estava batendo. Por volta das 16 horas uma assistente social pediu que eu e a esposa de meu tio fossemos conversar com o médico responsável pelo atendimento prestado a ele até aquele momento. Esta assistente social foi educada e cumpriu bem o seu papel.
O médico responsável nos comunicou o falecimento do mesmo educadamente e  desta forma: “- Eu estava atendendo o Sr X (meu tio) até este momento. O quadro dele era muito grave. Ele teve um infarto. Foram feitos todos os procedimentos para reverter o quadro. Embora o coração estivesse batendo, ele não reagia e infelizmente ele não resistiu.”
Nos emocionamos e ele continuou: - “Agora vocês precisam resolver as questões relativas ao sepultamento do mesmo. Voces possuem aí algum documento dele para que eu possa fazer o atestado de óbito”?
Como não tínhamos a documentação necessária ele continuou : - “Traga os documentos dele para que eu possa fazer o atestado de óbito . Só à partir deste atestado é que vocês poderão fazer alguma coisa. Fiquem tranquilas, eu estarei de plantão até amanhã. Assim que vocês trouxerem os documentos dele eu farei o atestado de óbito e vocês poderão dar sequencia às questões relativas ao sepultamento. Meu nome é “Y” e vocês devem entregar estes documentos para ela” (referindo-se à assistente social ali presente).
Saímos de lá e fomos imediatamente para a casa de meu tio para buscar a documentação necessária. Neste ínterim a família foi avisada e foi decidido onde seria realizado o sepultamento do mesmo. Voltamos rapidamente para o hospital, pois tínhamos pressa, já que meu tio seria sepultado em Minas Gerais, cidade de seus familiares e onde seus pais foram sepultados. Por volta de 16:45 estávamos de volta ao hospital com todos os documentos necessários. Não havia ninguém, neste momento, que pudesse receber os mesmos e foi solicitado que esperássemos a assistente social retornar para repassarmos para a mesma a documentação. Sentamos na recepção e esperamos de 20 a 30 minutos, sem problemas. A assistente social apareceu, passamos os documentos para ela e ela nos informou que teríamos que esperar um tempo maior, pois o médico responsável estava envolvido com outra emergência e não poderia prontamente emitir o atestado de óbito. Perguntei se podíamos agilizar alguma coisa referente ao funeral e como isto era feito; se havia serviços funerários no hospital, etc, etc. Explicou que só depois de termos a posse deste atestado é que poderíamos resolver estes problemas. Que seríamos depois direcionados para outro setor do hospital para resolver estas questões.  Sem problemas, sentamos na sala de espera do hospital aguardando o momento em que seríamos atendidos. Esperamos até, mais ou menos 18 horas (uma hora e quinze de espera). Um pouco ansiosa, a esposa de meu tio dirigiu-se à porta onde a assistente social tinha entrado, à procura da mesma para saber notícias. O segurança, dirigiu-se educadamente até nós, perguntando o que a gente desejava. Expliquei educadamente e tranquilamente a situação, enfatizando que precisávamos saber se a assistente social tinha entregue os documentos para o médico, pois precisávamos resolver o problema o mais rápido possível, já que o corpo seria encaminhado para uma cidade a 400km do Rio de janeiro e nem sabíamos o que fazer e como fazer, já que nunca, nenhum de nós, lidou com situações similares a esta. Com respeito e atenção o segurança disse que o turno seria mudado e que uma nova assistente social retomaria o lugar da anterior. Que deveríamos aguardar a chegada da próxima assistente social. Aguardamos sem problemas e sem nenhum alarde. Por volta das 18:30 horas a assistente social saiu. Nos dirigimos a ela e ela nos informou que o médico ainda se encontrava na emergência e que ela nada poderia fazer. Informou que daquela hora em diante deveríamos tratar coma outra assistente social que estava assumindo o seu lugar. Apontou a assistente social nova solicitando-nos  dirigir a ela para resolver, à partir daquele momento, a situação com ela. Juntamente com a esposa de meu tio, me dirigi a esta nova assistente social para perguntar se ela estava à par da nossa situação e se teria recebido da assistente social anterior os documentos de meu tio para o médico atestar o óbito. Assim que falei “Boa Noite”, esta nova assistente social saiu andando, nos dando as costas e dizendo em tom áspero e alto (quase gritando): - “ Eu não posso falar nada com vocês agora”! Não quis nem mesmo ouvir o que tínhamos para perguntar. Fui andando atrás dela e insisti para que me ouvisse. Parou, finalmente, nos olhando irritada. Expliquei a situação educadamente e ela apenas disse rispidamente: - Não posso fazer nada, o médico está em emergência.” Deixei claro que esperaríamos e que, inclusive, já estávamos esperando a 2 horas. Só queríamos saber se ela tinha ou não recebido os documentos da assistente social anterior e se estava à par dos fatos. Depois disto, ela deu uma sumida e ficamos sem ter com quem obter qualquer informação. Por volta das 19:30 ela apareceu novamente e naturalmente nos dirigimos a ela na esperança dela ter resolvido a nossa situação. Antes de perguntar qualquer coisa, ela já falou em tom ríspido: - “Eu já falei que ele está em emergência!”. Não nos dava atenção alguma e em nenhum momento nos perguntou se precisávamos de alguma ajuda. Só se irritava com qualquer tipo de aproximação que pudéssemos ter em relação à mesma. A postura desta profissional não denotava nenhuma assistência e solidariedade; seu toque de ordem era: - Mantenha distância!
Por volta das 20:30, a esposa de meu tio se dirigiu para a recepção do hospital, pois não sentia receptividade por parte da assistente social. E, diante da ausência dela, perguntou carinhosamente para uma das recepcionistas  se ela poderia checar se o médico, porventura, já pudesse  estar disponível e liberado da emergência que, desde as 17 horas,   a assistente social anterior nos informara estar ele envolvido. Já havia 4 horas e meia que o meu tio tinha morrido e 3 horas e meia, mais ou menos, que estávamos ali esperando. A recepcionista mostrou-se solícita e solidária à nossa dor. Procurou se informar e retornou com a notícia de que o médico ainda estava ocupado, agora com outra emergência, e que nada poderia ser feito.  Uns 15 minutos depois disto, a assistente social retornou. Naturalmente, nos dirigimos a ela para saber se trazia alguma notícia e posição. Neste momento ela se irritou ainda mais e disse impacientemente: - “Voces estão incomodando! Aqui é uma emergência , será que voces não conseguem entender isto? Voces precisam entender que existem coisas mais importantes que o caso de vocês.” Neste momento, pela primeira vez eu me posicionei de forma mais firme, porém educada,  dizendo: - “Eu sei que isto aqui é uma emergência, mas você também precisa saber que existe a dor das pessoas que perdem uma pessoa querida e que precisamos saber o que fazer neste momento. Já tem quase 5 horas que estamos esperando”...Ela disse que entendia sim a dor da família, embora a sua expressão  denotasse ainda mais impaciência e irritação para conosco. Desejo aqui ressaltar, a importância do profissional de saúde ter a consciência que o corpo e a postura fala muito mais do que as palavras. Voltei para o lugar onde estava sentada e solicitei à esposa de meu tio que fosse embora, pois não tinha nem mesmo almoçado naquele dia.  Continuei esperando, sem saber que providencias tomar. A família ligava de Minas para saber que horas o corpo chegaria lá no dia seguinte e a que horas seria velado. Eu não tinha referência alguma para dar aos familiares, pois não sabíamos o que fazer. Isto, naturalmente gera ansiedade em todos. Acredito que uma assistente social possa ser muito útil nestes momentos para orientar a família sobre o que fazer e abaixar o nível de ansiedade de todos os envolvidos. Esta, porém, só nos dava bronca e nenhuma orientação. Continuei esperando e pedi que alguns familiares que estavam ali comigo se dirigissem ao outro setor do hospital para se informar se existiria por ali alguma funerária para nos passar o mínimo de informação possível. Estes familiares encontraram dentro de outro setor do hospital um serviço de funerária. Fomos bem recebidos pelo mesmo que, finalmente, nos informou como as coisas poderiam acontecer. O senhor responsável pelos serviços funerários nos ajudou muito neste sentido, abaixando significativamente o nosso grau de ansiedade. Agora, tínhamos referências do que poderia e deveria ser feito. Era só isto que precisávamos. O problema maior nunca foi a espera propriamente dita, mas a falta de referências do que fazer ou deixar de fazer. Agora estávamos mais tranquilos e dispostos a esperar até madrugada adentro se preciso fosse. Conseguimos esta informação básica por volta das 21:30 horas da noite; depois de quase 5 horas esperando. Ao invés de irritação, a assistente social poderia ter nos ofertado informações e nos auxiliado neste sentido direcionando-nos a este serviço. A única coisa que sabia dizer era: - “Eu não posso fazer nada” ou “Vocês estão atrapalhando...”
Por volta das 22:50 horas o médico e a assistente social finalmente apareceram.   Juntamente com meu marido, me dirigi a eles para saber, mais uma vez, se o atestado de óbito havia ou não ficado pronto. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, aquele médico até então educado se transformou num ser irreconhecivelmente arrogante e cínico, dizendo com empáfia: “- Antes de lhe entregar este atestado, eu gostaria que vocês soubessem que o que estou fazendo aqui agora é um ato de gentileza e todo ato de gentileza a gente deve retribuir com gentileza. Voces criaram uma grande confusão aqui. Voces devem saber que existem normas aqui a serem seguidas. Se não quisesse esperar que fosse para casa e voltasse depois para buscar. Mais uma vez. Estou lhes fazendo uma gentileza e vocês deveriam ter agido também com gentileza”. Eu não sou obrigado a dar para vocês este atestado não”.
Quando falei que estávamos a mais de 6 horas esperando e se ele não era o responsável por aquele atestado de óbito, de quem seria então esta responsabilidade? Para se defender de sua própria empáfia,  contradizendo tudo que me disse pessoalmente ao me informar da morte de meu tio, ele continuou: - Ele não morreu na minha mão; eu poderia ter mandado o corpo dele para o IML e você teria que esperar 3 dias ou mais para eles fazerem os exames necessários para saber do que ele morreu realmente.
Indaguei o médico novamente, repetindo tudo que ele havia dito assim que nos chamou para informar o falecimento do meu tio; que ele próprio havia falado que o meu tio havia tido um infarto e morrido em decorrência disto. Aproveitei para falar que , assim como eles, eu era profissional de saúde e que eles deveriam ter, pelo menos, o conhecimento acerca do respeito mínimo que se deve ter pela dor dos familiares. Não me deram atenção e sem querer me dar ouvidos,  eu resolvi me calar para não piorar ainda mais as coisas. O Dr arrogância saiu repetindo enfaticamente que deveríamos retribuir com gentileza a gentileza que ele estava tendo por nós. Ao invés de cumprir o seu papel, ele dizia através de sua postura e de seu discurso: - “Seja boazinha, pois voce depende da minha boa vontade”.
Depois disto, meu marido foi fazer o reconhecimento do corpo para que pudéssemos dar sequencia nas questões relativas ao sepultamento.
Fica aí mais uma história de empáfia médica e de despreparo emocional de nossos profissionais de saúde. Que possamos sepultar este tipo de postura que adoece o nosso sistema de saúde e denigre a imagem destas classes profissionais. Que o Hospital Miguel Couto possa nos dar uma resposta para seguinte pergunta: Baseado em que, o seus profissionais médicos se delegam o poder de emitir atestado médico por gentileza ou não emiti-los quando é esta uma responsabilidade dos mesmos?

3 comentários:

  1. Denunciar o médico no CRM daria em algo? E a assist social? De qq forma acho que o corporativismo de classe barraria tudo.

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  2. Excelente texto. Desrespeito e humilhação é a palavra de ordem.
    Sabemos que existem uma maioria de profissionais de saúde que agem com ética e respeito ao seu trabalho e aos seus pacientes, mas me pergunto, porque os que fogem a essa regra, prevista num código de ética, nunca são advertidos ou punidos e continuam reproduzindo um sistema onde impera a desigualdade e desumanidade? Seria porque nunca reclamamos ou nunca nos manifestamos?
    Não podemos cruzar os braços e nos acomodar. Temos que denunciar e contestar essa conduta indigna com que o Brasil trata a sua população carente. Se não nos manifestarmos, certamente essas posturas serão mantidas e se tornarão um “câncer” que destruirão nossa cidadania, direitos e nossa humanidade.
    Sou também assistente social e psicóloga e no mínimo a postura dos profissionais em questão prova o despreparo, imaturidade e prepotência dos mesmos.

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    1. Cláudia, sou assistente social e já trabalhei com pacientes em fase terminal e suas famílias. Não vou tecer comentário sobre a atitude do médico, porque usar de arrogância em um momento como este já diz tudo sobre ele. No que diz respeito à postura da minha colega de profissão, posso dizer que me entristeceu. Nossa formação é totalmente voltada para o próximo como alguém que tem o direito de receber tratamento digno e humano. Isso não seria generosidade, mas ética. Entretanto, ainda que ela tivesse faltado à todas as aulas desta disciplina, faltou humanidade. Espero que sua tia possa, em algum momento, superar também esta dor causada pelo despreparo e pelo desrespeito. Em nome da categoria que também represento, eu peço desculpas por ela. Um abraço. Ana Vitória

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